Plantando e aprendendo

A importância do trabalho ministerial em quatro vertentes: foco, criatividade, excelência e cooperação.

Há 18 anos tenho viajado pelo Brasil e exterior à procura de bons modelos de plantação de igreja e também de líderes nos quais encontre inspiração. Enquanto pastor-plantador aprendi uma série de coisas que apenas a experiência pode ensinar. O seminário foi importante, mas algumas lições foram assimiladas fora da sala de aula. E estou convencido que os bons resultados alcançados na Igreja Plena de Icaraí, em Niterói (RJ), além da graça de Deus, são frutos do aprendizado sobre a importância de se trabalhar em quatro vertentes: foco, criatividade, excelência e cooperação. É sobre elas que escrevo aqui.

Foco

Para os pastores de nossa igreja, foco é sinônimo de força. Quando qualquer pastor olha ao seu redor percebe que sua área de atuação profissional é bastante ampla. O mundo padece de vários males: perdição espiritual, crianças abandonadas, jovens na criminalidade, adultos drogados, famílias despedaçadas, corrupção em várias esferas, bolsões de pobreza em centros urbanos… Diante de tanta demanda, alguns pastores, movidos pelas melhores intenções, acabam atendendo a muitos e diferentes apelos. Isso, inevitavelmente, os leva a um ministério disperso marcado por frustração e exaustão.

Ser focado é ser responsável para com o chamado divino. É saber, com segurança, quais são seus pontos fortes, aquelas características que o fazem realizar muito bem certas tarefas. Os autores Marcus Buckingham e Donald Clifton afirmam, em seu livro Descubra seus pontos fortes, que a pessoa descobre suas maiores qualidades quando desempenha de forma estável e quase perfeita uma determinada atividade. Segundo eles, a pessoa também descobre isso quando faz a si mesma a seguinte pergunta: Eu seria capaz de realizar essa mesma tarefa repetidamente com alegria? Uma vez convicto de suas virtudes, cabe ao pastor fortalecer e proteger esses dons dados por Deus e, assim, trabalhar focado em atividades que demandem o uso de suas habilidades especiais.

Mas não só os pastores devem trabalhar com foco, mas também as igrejas. Na Igreja Plena de Icaraí, assumimos a verdade de que jamais seremos tudo para todos. Portanto, é crítico que o líder do rebanho discirna se a congregação que se encontra sob sua responsabilidade foi vocacionada, por exemplo, para evangelização, educação, adoração ou assistência social. A partir daí, a comunidade deve trabalhar focada em seus pontos fortes.

Criatividade

Uma das tendências de igrejas que atravessam décadas de existência é a criação de suas próprias tradições. Estas são importantes sempre que servem às causas da integridade e da qualidade. Porém, quando passam a ter valor em si mesmas, tornam-se uma espécie de âncora que impede a comunidade de continuar navegando livremente pela sociedade.

Em um encontro com o pastor batista norte-americano Ed Stetzer, ouvi dele algo muito interessante sobre tradição. Segundo ele, as igrejas precisam fazer distinção entre a tradição com T (maiúsculo) e aquela com t minúsculo. A âncora é justamente a tradição com t minúsculo.

A mentalidade inovadora está presente em nações prósperas que nos servem de estímulo. Para constatar isso, basta comparar países de democracia amadurecida, onde a criatividade é incentivada, com nações governadas por ditaduras tirânicas, onde a originalidade é combatida. Onde existe estímulo à inovação, há progresso. Onde não há, impera a miséria. É simples assim. Todos nós brindamos inovações que tornam a vida melhor. Produtos eletrônicos, meios de transporte, métodos de reciclagem de lixo, tratamentos de doenças mais efetivos e muitas outras coisas têm avançado por conta do estímulo à inovação. Somente a inovação promove o aprimoramento. E, acredite: é possível ser inovador sem ter de abrir mão da boa tradição.

Lembremos o quanto foi importante para a nossa fé a inovação da escrita. Antes dela, o que havia era a tradição oral. Imagine se os grandes homens de Deus do Velho Testamento, apegados à tradição oral, tivessem resistido a essa gloriosa inovação na maneira de preservar a história! No ambiente cristão, inovação se traduz em contextualização. Portanto, trato esses termos como sinônimos.

Numa conversa com o pastor Ziel Machado, ouvi dele a afirmativa de que “a Igreja precisa aprender a gramática de sua cidade”. A Igreja do Senhor Jesus vem prosperando de século em século, dentre alguns fatores, também por sua incrível capacidade de contextualização cultural. Dos tempos dos apóstolos aos dias de hoje, a maneira como os crentes vivem sua fé mudou incrivelmente. Em outras palavras: a contextualização faz parte da tradição da igreja de Cristo. Essa é a tradição com T maiúsculo. Uma vez estabelecidos e respeitados os limites doutrinários e éticos, cabe aos pastores escolherem criativamente a melhor roupagem para apresentar o evangelho às pessoas. Quando existe um ambiente de incentivo à criatividade, a contextualização se encarrega de criar meios de ligação entre a igreja e a sociedade. Criar maneiras eficazes e éticas de se comunicar o Evangelho é uma obrigação de todos que desejam ver o Reino progredir.

Excelência

Segundo os dicionários, excelência é aquilo que tem qualidade muito superior, aquilo que excede, que está acima da média. O Deus a quem servimos faz todas as coisas com excelência. Basta ver a criação que nos rodeia para chegar a essa conclusão.

Existem pessoas que acreditam que excelência é algo que interessa apenas ao mundo corporativo, das empresas. Outras acham que a excelência faz parte somente do mundo das pessoas ricas. E ainda há aquelas que consideram esnobes as pessoas excelentes. São visões equivocadas.

Excelência tem a ver com pontualidade, organização, higiene, integridade, dentre outras coisas. Uma dona de casa excelente não tolera sujeira nos banheiros da igreja. Um advogado excelente não suporta por muito tempo uma igreja que, por acomodação, não sai da informalidade jurídica jamais.

Percebi, ao longo do meu processo de plantação, que o compromisso com a excelência começa com o pastor e não com os membros. Durante meus primeiros anos à frente da igreja, preguei vários domingos cheirando a água sanitária. Como havia assumido comigo mesmo o compromisso de oferecer às pessoas uma igreja limpa e organizada, e não tendo condições de pagar alguém para que cuidasse dessas coisas, eu mesmo varria, lavava e arrumava tudo. Enquanto passava pano nos banheiros, vi meu compromisso com a excelência ganhar mais importância em minha vida. Hoje, eu posso pedir com tranquilidade a todos que servem comigo que se empenhem na busca pela excelência.

Cooperação

O crescimento numérico de uma igreja não aumenta apenas a quantidade de demandas, mas também a complexidade dos desafios. Daí a crítica necessidade de se ter uma equipe de pastores que trabalhem em cooperação.

Na Igreja Plena de Icaraí, sabemos que se não investirmos na contratação de pastores de boa qualidade, não daremos conta das exigências geradas pelo progresso. Com a sobrecarga do pastor, a qualidade de seu trabalho fica comprometida, gerando insatisfação tanto para ele quanto para o membro mal atendido. Esse movimento tende a se transformar num ciclo vicioso em que o pastor saturado de trabalho, membros mal assistidos e ministérios negligenciados geram um ambiente marcado por frustrações e pouca esperança. Desse modo, em virtude da falta de mão-de-obra qualificada, o crescimento da igreja acaba sendo comprometido.

Também acreditamos que o contrário é verdadeiro. Quanto mais a igreja investe na contratação de bons pastores, mais crescimento saudável ela irá usufruir. É preciso que a liderança e os membros vejam o cenário a longo prazo. Quanto melhores e mais numerosos forem os pastores de tempo integral, melhor será o serviço prestado aos membros. Ao serem bem pastoreados, os membros tendem a se envolver mais com os projetos da igreja. Então, abre-se caminho para um ciclo virtuoso capaz de manter o crescimento da igreja sólido e saudável por um longo período de tempo.

Na igreja somos quatro pastores cuidando de aproximadamente setecentas pessoas. Procuramos seguir as orientações do pastor Tim Keller, da Redeemer Presbyterian Church, de Nova Iorque (EUA). Em seu artigo Leadership and church size dynamics, Keller afirma que para uma igreja se manter crescendo é fundamental que continue investindo na contratação de pastores. Ele sugere ainda que, em uma comunidade de quinhentos membros, é ideal que se tenha de dois a três pastores de tempo integral.

Em nossa igreja não usamos o termo “auxiliar” para designar pastores. Respeitamos nossos queridos colegas que usam essa palavra, mas, ao invés de designarmos o outro dessa maneira, preferimos acrescer um vocábulo ao título que represente as áreas pelas quais o pastor é responsável. Por exemplo: na igreja, eu sou o pastor de pregação e ensino. Todo assunto referente a esses dois temas são de minha inteira responsabilidade. O José Martins é pastor de congregação, responsável pelo aconselhamento e discipulado; o Douglas Queiroz, pastor de ministérios; e o Roberto Assis, pastor de integração, que cuida de grupos que facilitam a ligação entre a igreja e as pessoas nos cultos e fora da igreja. Cada um de nós tem ainda mais duas grandes áreas de atuação. Com essas divisões de responsabilidades, sabemos exatamente o que devemos fazer no decorrer de nossas atividades. Essa distribuição de tarefas tem gerado entre nós um saudável ambiente de trabalho, melhorando bastante o nosso serviço à igreja.

Uma última palavra

Numa pequena reunião para plantadores de igreja em Boca Raton, Flórida (EUA), pude ouvir o pastor Mark Driscoll (da Mars Hill Church) dizer que as esposas dos pastores desempenham um importantíssimo papel na vida de seus maridos. Driscoll nos dizia que nossas mulheres exercem o ministério da intimidade. Queria dizer que a esposa do pastor é aquela com mais acesso ao líder da igreja. Em momentos bons e ruins, e de forma muito profunda, a esposa de um pastor tem condições de ajudá-lo numa medida sem paralelo.

Inúmeras vezes, o pastor precisa tomar decisões. E a coisa mais difícil não é dizer, por exemplo: iremos para direita ou para esquerda. Mas sim, lidar com as conseqüências dessas opções. Em certas etapas do processo, as escolhas que um pastor precisa fazer o colocam sob uma tremenda pressão. É nessas horas, sobretudo, que a mulher do pastor entra em cena. Ela pode – e deve – apoiar, corrigir, consolar, discordar e advertir seu marido como nenhuma pessoa de fora conseguiria. Depois de 18 anos de casamento com Viviany, vejo o quão importante é o matrimônio para um líder.

O trabalho pastoral é muitíssimo demandante e se torna ainda mais complexo se o ministro partir para plantação de uma nova igreja. Como pastor-plantador, tenho absoluta certeza de que meu bom casamento, dentre outros fatores, foi fundamental para o êxito da Igreja Plena de Icaraí. Sempre chego a minha casa com a boa expectativa de que meu fim de dia será revigorante.

Quando o assunto é o bem-estar de meu casamento, assumo a responsabilidade de preservá-lo com zelo. Além de um dia a dia regado por atenção e boa comunicação, tenho com Viviany um compromisso semanal em que tomamos o café da manhã juntos, passeamos e fazemos a nossa devocional. Esse dia é a segunda-feira e, por isso, uso o esboço de meu sermão do domingo anterior como base de nossa devoção a Deus. Enquanto compartilho o texto com ela, ouço com atenção suas colocações. Depois, oramos juntos por nós, nossos filhos e pela igreja. Assim, vou cuidando de minha ovelha mais preciosa, para que ela também cuide de mim e, juntos, cuidemos de nossos amados filhos Camila e João Felipe. Dessa forma, a igreja vai sendo conduzida por um homem realizado no casamento e na família.

Como disse no início desse artigo, aprendi essas lições enquanto trabalhava. A experiência prática tem um valor inestimável. Tenho a grande alegria de caminhar com colegas de ministério que trabalham com foco, criatividade, excelência e cooperação.

Espero sinceramente que esse artigo lhe sirva de inspiração e encorajamento para construção de uma igreja saudável e capaz de fazer de você um líder realizado.

Fonte: Cristianismo Hoje

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