O tigre e a neve

O termo fidelidade parece estar fora de moda em nossa sociedade do “relativo” e do “sensorial”. No consultório ouço, tanto homens como mulheres, a declaração de que o importante é “ser feliz” e se isso implica buscar relacionamentos extraconjugais ou relacionamentos múltiplos simultaneamente no caso dos solteiros, “tudo bem”.

O que se busca é a experiência sensorial e insaciável “algo mais“ fisiológico que se acredita que o outro não posso proporcionar-lhe. Então um olhar fugidio, uma exposição corporal intencional, uma conversa mais “quente” , ainda que de forma virtual, são as portas que se abrem para satisfazer essa busca.

Um dos personagens bíblicos que mais nos impressionam por sua fidelidade a Deus é Abraão, considerado o “pai da fé”. Abraão ouviu o chamado de Deus e deixou para trás a sua terra e foi para um lugar desconhecido, não porque queria experimentar sensações novas, mas porque era fiel àquele que lhe disse: “Deixa tudo e vai” (Gn 12.1). Abraão aguarda muitos anos sem esmorecer para que Deus concretize a promessa de dar-lhe um filho e depois se dispõe a sacrificar esse filho, crendo que Deus teria outra forma de cumprir suas promessas porque ele era fiel. Claro que ele passou por provas e em algumas foi reprovado, mas à medida que caminhava com Deus ia aprimorando sua fidelidade.

Todavia o que mais me chama a atenção em Abraão é que ele era fiel não somente a Deus, mas também a sua esposa, Sara. Tendo crescido em uma sociedade poligâmica e que entendia a esterilidade era motivo mais que suficiente para repudiar a sua esposa e buscar outras, Abraão mantém-se casado por toda a sua vida com Sara, uma mulher estéril.

Percebo que Abraão cometeu erros em sua caminhada, como entregar Sara a Faraó por medo (Gn 12.15) ou mesmo ter um filho com Hagar por pressão da própria Sara (Gn 16.12). Porém ele não repudiou a sua esposa nem buscou outras mulheres para satisfazer o desejo de ter um filho. Abraão foi fiel.

Hoje em dia há casais que vão a igreja, são bons membros em suas comunidades, e alguns até lideram ministérios voltados para casais e suas famílias, mais que divorciam e traem seus cônjuges apenas por uma busca de experiências sensoriais sexuais. Acreditam que a intensidade do prazer sexual que podem alcançar com seus amantes é superior ao que alcançam com seus cônjuges. Isso é um tremendo equivoco, pois o prazer na intimidade sexual depende muito mais da mente do que da pele ou dos hormônios. Quando não há prazer intimo entre um casal é porque não há dialogo aberto e transparente sobre o tema. A relação sexual passa a ser algo mecânico e não mais uma expressão de ternura entre os cônjuges.

Um dos mais belos filmes que vi na vida se intitula O Tigre e a Neve. Nele o personagem principal, De Giovanini (Roberto Benini), expressa todo o desejo que tem pela mulher por meio da ternura, da doação e da poesia. Em seu jeito atrapalhado, ele “ama a ponto de dar a vida” por sua amada. Essa é a essência da fidelidade, muito em falta em nossos relacionamentos atuais.

Em uma sociedade do descartável, da troca fácil e do consumo dos relacionamentos, que personagens como Abraão e De Giovanini nos ensinem o profundo significado de ser fiel “até que a morte nos separe”.

Fonte: Revista Ultimato (Março-Abril 2014) pg. 40 

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